'A desigualdade desafia tudo, desafia o contrato fundamental das sociedades', diz Nobel de Economia
O renomado economista e cientista político britânico James A. Robinson, coautor de obras influentes como "Por que as Nações Fracassam", discutiu recentemente com a BBC os desafios globais e regionais, com foco na desigualdade, especialmente na América Latina. Robinson foi um dos agraciados com o Prêmio Nobel de Economia de 2024, junto com seus colegas Daron Acemoglu e Simon Johnson, reconhecidos por suas contribuições teóricas e empíricas para o entendimento das disparidades de prosperidade entre nações. Em entrevista, o professor da Universidade de Chicago, que dirige o Instituto Pearson para o Estudo e Resolução de Conflitos Globais, refletiu sobre as principais questões que atravessam sua carreira e suas análises sobre o futuro político e econômico da América Latina e de outras regiões.
Robinson, aos 64 anos, admitiu surpresa ao receber a notícia do Nobel, afirmando estar em "choque" pelo reconhecimento. Ao longo de sua trajetória acadêmica, ele desenvolveu um interesse especial pela África Subsaariana e pela América Latina, regiões marcadas por graves desigualdades, onde conduziu pesquisas extensas e ministrou aulas, como na Universidade dos Andes, na Colômbia. Ao longo de quase três décadas, Robinson realizou estudos de campo em países como Bolívia, Colômbia e Haiti, investigando as raízes da desigualdade e os fatores que perpetuam a pobreza nessas regiões. Para ele, a chave está em compreender como as instituições políticas e econômicas moldam a trajetória de prosperidade ou estagnação de um país.
Em sua conversa com a BBC, Robinson destacou que, apesar de avanços pontuais na redução da pobreza em algumas partes do mundo, como na China, muitas regiões, especialmente a África Subsaariana e a América Latina, continuam enfrentando desafios severos. Segundo ele, essas regiões permanecem atoladas em sistemas excludentes que foram herdados de um passado colonial e escravista. "Na América Latina, a desigualdade e a pobreza estão enraizadas no colonialismo, na exploração dos povos indígenas e na escravidão", observou Robinson, ressaltando que esses problemas históricos ainda se manifestam de maneiras complexas nas sociedades contemporâneas.
Ao falar sobre os desafios enfrentados pela América Latina, Robinson expressou que a inclusão social e a equidade econômica ainda são grandes barreiras para o desenvolvimento da região. Ele mencionou que alguns países, como o Chile e a Costa Rica, mostraram progresso considerável ao longo das últimas décadas. A ascensão de povos indígenas ao poder, como aconteceu na Bolívia, também foi um avanço positivo. No entanto, ele alertou que muitos países, como Venezuela e Nicarágua, seguiram caminhos regressivos, com a consolidação de regimes autocráticos que sufocam a democracia e limitam as oportunidades de inclusão social.
Quando questionado sobre o futuro da democracia na América Latina, Robinson se mostrou preocupado com o fato de que, em muitos casos, a democracia ainda é uma estrutura jovem e frágil. Ele destacou que, embora a democratização tenha sido prometida como a solução para muitos dos problemas socioeconômicos da região, essa promessa nem sempre se concretizou, levando ao desapontamento generalizado. "A democracia tem sido decepcionante para muitas pessoas na América Latina, o que as leva a buscar soluções populistas", explicou. Ele citou o exemplo de líderes como Nayib Bukele, em El Salvador, e Andrés Manuel López Obrador, no México, que, embora democráticos, surgiram em um cenário de profunda insatisfação com o status quo. Robinson enfatizou que a construção de instituições democráticas é um processo lento e exige paciência, mas que os cidadãos muitas vezes perdem a confiança quando as mudanças não ocorrem com a rapidez esperada.
A trajetória de pesquisa de Robinson, especialmente em colaboração com Daron Acemoglu, resultou em contribuições significativas para a compreensão das raízes das desigualdades globais. O livro "Por que as Nações Fracassam", uma das obras mais influentes da dupla, permanece relevante mais de uma década após sua publicação. Robinson reflete que, embora muito tenha mudado no cenário mundial, as estruturas de poder e desigualdade que moldam o sucesso ou o fracasso das nações ainda são extremamente resilientes. Ele mencionou a "Primavera Árabe" como um exemplo de esperança que não se concretizou em reformas inclusivas e democráticas, destacando a dificuldade de construir sociedades equitativas mesmo em momentos de grande efervescência política.
Ao abordar os desafios globais que as sociedades enfrentam atualmente, Robinson reiterou que a desigualdade continua sendo o principal obstáculo para a criação de sistemas políticos e econômicos mais inclusivos. Ele argumenta que, sem uma redistribuição significativa de oportunidades e poder, será difícil alcançar sociedades verdadeiramente democráticas e prósperas. "A desigualdade desafia o contrato social fundamental", afirmou, sublinhando que sociedades profundamente desiguais não conseguem sustentar democracias vibrantes e justas. Em seus estudos, ele observa que, mesmo em países considerados prósperos, como os Estados Unidos, a desigualdade econômica e social tem se aprofundado, corroendo as bases da mobilidade social e da inclusão.
Olhando para o futuro, Robinson prevê que a desigualdade continuará a ser um dos maiores desafios globais, impactando diretamente a estabilidade política e econômica de diversas regiões. Ele acredita que a solução está na construção de instituições inclusivas que ofereçam oportunidades igualitárias para todos, algo que, segundo ele, ainda está longe de ser alcançado na maioria dos países do mundo.
A concessão do Prêmio Nobel de Economia a Robinson e seus colegas reforça a importância de suas contribuições para a análise das disparidades globais. Seu trabalho continua a ser uma referência essencial para quem busca entender as complexas relações entre política, economia e desigualdade, e suas reflexões sobre a América Latina e outras regiões subdesenvolvidas apontam para os desafios ainda consideráveis que essas sociedades enfrentam na busca por um futuro mais justo e inclusivo.
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